A nova República Velha

A 14 de Dezembro de 1918 terminaria a experiência autoritária de Sidónio Pais, também conhecida por República Nova. Quando o país conhecia as piores consequências da Guerra, a inflação e o racionamento, o Presidente-rei procura integrar os monárquicos no regime, normaliza as relações com a Igreja, apoia os grandes produtores agrícolas, com o fim do «pão político», restabelece a ordem nas ruas fortalecido pelo apoio dos jovens oficiais. Mas o que movia o «sidonismo», para além de tudo isto, era o ódio aos democráticos, beneficiados pelo sistema eleitoral, vencedores de todas as eleições até ao momento, e muito especialmente o rancor endereçado a Afonso Costa, primeiro-ministro em 5 de Dezembro de 1917, altura do golpe dos cadetes da Escola de Guerra que dissolve o Congresso e destitui o Presidente da República.

Não deixa de ser curioso que o assassinato de Sidónio, na estação do Rossio, de onde iria partir para o Porto devido às movimentações de elementos realistas, tenha ocorrido poucos dias após o armistício. Apenas defendida de forma intransigente pelo Partido Democrático, não obstante a constituição da «União Sagrada», a Guerra tornara-se cada vez mais impopular. Originara as fortunas dos «novos-ricos», fizera proliferar novas empresas, mas trouxera dificuldades para muitos e o empobrecimento da maioria da população. Incapazes de entender os motivos da intervenção portuguesa no conflito internacional, angustiados com o futuro que lhes estaria reservado, os camponeses são facilmente atraídos para fenómenos religiosos como as «aparições» de Fátima. Testemunhando talvez este ciclo depressivo da nossa história recente, da qual os elementos marcantes eram a carestia e a insegurança, faleceram, nesse mês, os pintores Santa-Rita e Amadeu Sousa Cardoso. Entretanto, Aquilino publicara Terras do Demo.

 início de 1919 seria marcado pela guerra civil que termina com a entrada de forças favoráveis ao restabelecimento do sistema constitucional na cidade do Porto, pondo termo à denominada «Monarquia do Norte». Canto e Castro, um monárquico eleito presidente de acordo com a Constituição de 1911, empossou Tamagnini Barbosa, o qual formará um Governo constituído por um número considerável de antigos sidonistas. Só a 30 de Março, Domingos Pereira irá constituir um governo onde predominavam elementos do Partido Democrático. Tinha início a nova «República Velha».         

Não obstante, o Tratado de Versalhes seria assinado a 28 de Junho. A delegação portuguesa, chefiada por Afonso Costa, conseguiu que o Tratado contemplasse o pagamento de indemnizações devidas ao nosso país e confirmou o direito de Portugal sobre as colónias ultramarinas. António José de Almeida era eleito presidente da República no dia 6 de Agosto. Confirmando a influência da corrente revolucionária, a 13 de Setembro foi criada a Confederação Geral dos Trabalhadores, de inspiração anarco-sindicalista. E no dia 1 de Outubro é fundado o Partido Republicano Liberal, resultante da junção entre evolucionistas e unionistas. Neste mesmo ano, Raul Brandão publica o primeiro volume das Memórias.

No ano seguinte, 1920, tomaram posse sete governos enquanto a corrupção continuava e se verificavam assaltos a estabelecimentos comerciais de Lisboa e Porto, evidenciando a crise de autoridade, aumentando as preocupações da opinião pública e a insatisfação do exército. Todavia, o acontecimento mais grave deste período de grande instabilidade foi a dramática «noite sangrenta», de 19 de Outubro de 1921, durante a qual foram assassinados, em circunstâncias mal esclarecidas, o primeiro-ministro António Granjo, e outros dirigentes republicanos, entre os quais, Machado Santos e Carlos da Maia. A revista Seara Nova, fundada por destacadas personalidades do campo republicano, que iniciara neste mês Outubro a sua publicação, irá insurgir-se energicamente contra esta trágica ocorrência.

A 22 de Março de 1922 partia de Lisboa o avião Lusitânia, pilotado por Gago Coutinho e Sacadura Cabral, iniciando a primeira travessia aérea do Atlântico Sul. António José de Almeida inicia a 17 de Setembro uma visita oficial ao Brasil onde decorriam as comemorações do 1.º centenário da independência. E enquanto o ministro da Instrução Pública do segundo ministério de António Maria da Silva via recusada no Parlamento a sua proposta de restabelecer o ensino religioso nos estabelecimentos particulares, António de Oliveira Salazar publica Lições de Finanças. No dia 6 de Agosto de 1923 – ano em que se verificou uma corrida aos depósitos e como inevitável consequência cinco bancos abriram falência – Manuel Teixeira Gomes é eleito presidente da República. Durante o seu mandato deu posse a sete ministérios, tendo conseguido conter uma séria tentativa de golpe militar, a 18 de Abril de 1925, até se demitir em 11 de Dezembro desse mesmo ano. Eleito no mesmo dia, Bernardino Machado seria o último presidente da I República portuguesa. José Régio publicava Poemas de Deus e do Diabo. Faltavam seis meses para o 28 de Maio.      

Mário Machado Fraião   

~ por MGMV em Março 4, 2008.

2 Respostas to “A nova República Velha”

  1. Aprendi imenso com este texto informativo, expressivo e inteligente.

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